Esse artigo é de autoria de Vitor Jatobá e Letícia Franco e sua publicação é apenas para divulgação de seus conhecimentos e da reflexão advindas dele. Vitor Jatobá é acadêmico do curso de Graduação em EF na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e Letícia Franco, acadêmica do curso de Graduação em EF na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e do Curso de graduação em Psicologia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. (Brasil). Para entrar em contato utilize os emails vitorjatoba@gmail.com e titawfranco@gmail.com. Esse artigo também está disponível no EFDEPORTES
Resumo
Como podemos imaginar um
corpo sem estar inserido em alguma cultura, é impossível levando em conta todo
este processo de globalização de informação. A mídia é uma das maiores
responsáveis pela divulgação destas informações, onde a representação humana
está influenciando os sujeitos/sociais criando uma representação humana
hegemônica. Está representação gera inúmeros distúrbios na sociedade.
Unitermos:
Corpo. Cultura. Representação humana hegemônica.
Introdução
Este é um trabalho de cunho
reflexivo originado a partir de estudos teóricos relacionados à temática
corpo/cultura na sociedade contemporânea, pensando nos fatores que contribuíram
para a existência deste corpo cultural assim como suas conseqüências para com o
indivíduo e a sociedade.
Objetivos
Objetivamos para este estudo
uma reflexão referente aos problemas existentes na(s) sociedade(s) e suas
intimas relações com o corpo contemporâneo.
Reflexão
Ao iniciar uma reflexão
sobre corpo e cultura, tento idealizar um corpo que não possua nenhum vestígio
cultural. Achei impossível pensar de tal forma, pois acredito que todos estão
sujeitos a sofrermos alguma interferência externa. Penso como um possível
exemplo deste fato, no personagem da Disney chamado Mogli. Mesmo este menino
que fora criado por lobos, incorporou nesta criação características próprias da
"cultura" da alcatéia. Podemos visualizar o retrato desta influência
na figura 3, onde o menino se encontra andando sobre quatro patas e interagindo
com um filhote de elefante.
A partir deste pensamento
digo que nos identificamos como sujeitos devido as nossas relações sociais, no
caso Mogli, a relação que ele passou a ter com a alcatéia. Como grande parte de
nossas características são oriundas do meio, afirmo que o corpo é ele mesmo uma
construção social, cultural e histórica (GOELLNER, 2003).
O corpo está tão inserido e
é tão importante para a sociedade que ao mesmo tempo é capaz de produzir uma
cultura e ser influenciado por outras. Concordo com Goellner quando a autora
apresenta que "pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é,
simultaneamente, um desafio e uma necessidade" (2003, p.28). Podemos
compreender essa necessidade com mais clareza quando discutimos o corpo no
tempo e suas tendências.
Caracterizando a moda como
uma tendência que é ou que deve ser seguida, posso enumerar ao longo da
história, diversos momentos, relacionados ao corpo, que possuem características
semelhantes com as de uma "moda".
Começo com os gregos onde
posso dizer que eles possuíam uma filosofia onde o corpo possuía um papel de
destaque, possuindo um valor muito forte para a sociedade Grega. Era necessário
que o indivíduo cidadão fizesse uma intima relação entre o trabalho do corpo e
os conhecimentos existentes (filosóficos, matemáticos, químicos, entre outros),
pois "a perfeição só podia ser alcançada com a união da beleza e da
virtude" (CARVALHO, 2004), chegando assim a um estado de plena realização.
Platão é um dos mais conhecidos desta relação, pois apesar de ser um dos
principais filósofos clássicos também se consagrou campeão olímpico.
Um grande exemplo do desejo
de perfeição grega em relação às formas do corpo masculino, onde a beleza e a
virtude se materializam em um mesmo ideal, é a imagem do Discóbolo, possível de
se visualizar abaixo na figura 4.
A idade média traz como uma
característica principal a sacralização do corpo, onde o mesmo se torna
sinônimo de pecado. As práticas corporais ficam restritas somente aos nobres
que treinavam para defender seu povo em suas guerras. A grande valorização do
religioso promoveu a demonização dos desejos, entre eles muitas coisas
relacionadas ao corpo, inclusive a sexualidade, devido à idéia de que o corpo é
um dos obstáculos à descoberta da verdade e salvação (SANT' ANNA, 2004).
Chegamos então na era industrial,
quando a revolução técnico-ciêntifica cresceu de uma forma rápida,
transformando o mundo feudal em um mundo onde o tempo é dinheiro, pois esta
sociedade tende a colocar o lucro acima de qualquer valor existente. O corpo
não teve nenhuma participação direta neste processo, somente padeceu com o
desgaste a ele imposto. Continuou seguindo traços da antiga idade média, onde o
corpo era desvalorizado, assim como tudo relacionado a ele.
Olhando registros feitos em
pinturas, fotos, ou mesmo em relatos escritos, pode-se notar algumas
características existentes em cada época: Mulheres gordas e alvas vistas como
sensuais e saudáveis; O esforço físico, que hoje é visto como uma forma de
melhorar a condição do corpo, era visto como um indicador de baixo status
social (ANZAI, 2000) e o corpo sacralizado, intocável.
O que quero dizer é que a
"moda atua na formatação do corpo" (CASTRO, 2005, p.141) e este corpo
que antes era visto de diferentes formas pelas sociedades, desde a
hipervalorização grega ao sacramento, agora é visto como "objeto de
diferentes anseios e desejos" (FIGUEIRA, 2003, p.124), onde "a
importância dada ao corpo contrapõe-se ao ofuscamento ao qual esteve submetido
no passado" (ANZAI, 2000, p.71).
Essa dessacralização
desencadeou uma maior liberdade quanto a valores dentro da sociedade, com isso,
ocorreu um fenômeno onde o corpo se tornou objeto vendável, e acaba por
promover "uma tendência à hegemonia de certa expectativa corporal"
(SILVA, 2001, p.21). O mundo do consumo está inteiramente ligado ao mundo da
informação, e estas constantemente instigam a sociedade com estilos de vida,
moda, corpo e comportamentos.
Somos seres únicos, até
mesmo gêmeos idênticos se diferenciam ao longo do seu processo de maturação.
Imagine o impacto que um padrão estético ideal pode causar em homens, mulheres,
crianças ou adolescentes. Que conseqüências pode causar para a sociedade? O que
se faz quando alguém diz: "Fique nu... Mas seja magro, bonito e
bronzeado" (FOUCAULT, 1986, p.83)?
Partindo do principio de
"que a própria percepção, as próprias sensações físicas, os próprios
sentimentos são efeitos da cultura" (HEILBORN, 1997, p.49), ficaríamos
completamente perdidos quanto ao papel que o corpo assume perante a sociedade.
Hoje ao olhar uma pessoa se pode enunciar as características que ela possui e a
que grupo social ela pertence, claro que são definições subjetivas, mas
"na sociedade contemporânea, o corpo é o local de construção de
identidades" (FIGUEIRA, 2003, p.127). Um grave problema é que este local
está sendo manipulado de uma forma meramente mercadológica, sendo tratado como
um mero objeto de consumo.
Isso nos leva a retomar um
pensamento onde os nossos corpos não são meramente coisas, são muito mais que
isso, pois estão sempre mediados pela cultura a qual estamos inseridos (BRUHNS,
2000), e está inserida em nossa cultura uma pressão social que tende a uma
exigência pela incorporação de algumas das diferentes características
existentes.
Refiro-me a uma modelagem
hegemônica, onde todos compartilhariam as mesmas características, nos
classificando como indivíduos morfologicamente aceitáveis ou
inaceitável-excluídos.
O indivíduo
"aceitável" é aquele que segue ou se enquadra no padrão social
dominante. Quem não se adapta a este padrão vive 'a margem da sociedade', sendo
culpado por não possuir ou se aproximar deste ideal. Esse indivíduo, em sua
grande maioria, tenta de qualquer forma se enquadrar e acompanhar as tendências
exigidas.
Essa segregação social deu origem a um
grande mercado, o mercado estético, que por sua vez está gerando um processo de
naturalização do não biológico (SANT'ANNA, 2005), onde passa a se tornar
aceitável todo e qualquer método para manipular e transformar o corpo em algo
aceitável.
Venho fazendo referência a um padrão de
corpo existente, que por sinal é de fácil identificação. Basta olhar alguns
comerciais televisivos ou algumas paginas de revistas para percebermos as
características comuns a todos os modelos. Ser magro, bonito e bronzeado, como
diz Foucault, são as mais bem observadas, porém não podemos deixar de enunciar
algumas outras: Ser bem torneada (o) (com a musculatura bem definida), bem
sucedida (o), com roupas despojadas junto ao carro do ano, ser objeto de
desejo, entre muitas outras. Abaixo segue uma tira onde se encontra duas
características essenciais observadas hoje para a beleza feminina.
Tento aqui compreender o
corpo não somente como uma forma/matéria, mas sim como uma fonte de controle
construída ao longo do tempo através de instituições como a médica, militar e
escolar (FOUCAULT, 1986).
Hoje o Brasil é o segundo maior consumidor de
cirurgias estéticas no mundo, chegando a realizar mais de 600 mil cirurgias
anuais (ELIA, 2006), não que isso seja ruim, mas a procura por estes métodos,
em sua grande maioria, não se deve a tentativa de melhorar alguma anomalia
genética ou mesmo a correção de alguma seqüela causada por determinado fator
externo. Não podemos achar normal crianças, mulheres e homens fazendo
'formatações' em seus corpos para ficarem parecidas com os modelos existentes.
Vivemos em uma sociedade
capitalista que se refere ao tempo pensando em dinheiro, associa o lazer à
falta de trabalho e acredita que o status social é mais importante que a
qualidade de vida. Lógico que uma sociedade que pensa de tal forma não poderia
estar se encaminhando de uma forma diferente.
Todo
este processo de bundalização, como nos diz Lessa (2005), não se restringe só
ao Brasil, vai muito além. O mundo hoje esta infectado com este vírus que gera
uma quantia exorbitante de lucro e que impregna cada vez mais as sociedades.
Ana Márcia Silva (2001) traz relatos em seu texto que estes corpos estão
causando uma não aceitação das características físicas e culturais orientais a
tal ponto que está crescendo enormemente o número de cirurgias plásticas para
ocidentalizar as formas de seus rostos.
Não precisamos ir tão longe, segundo
Lovisolo (2006) temos inúmeros casos como o de compulsão, anorexia, culpa,
auto-centramento, consumo desesperado de medicamentos, vigorexia, entre muitos
outros que podem ser relacionados com estes ideais de corpos, mas pouco ainda
se discute em relação aos caminhos para se evitar tal mal.
REFERÊNCIAS
ANZAI, Koiti. O corpo como objeto de consumo. Revista Brasileira de Ciência do
Esporte, Campinas, v. 21, n. 2/3, p. 71-76, janeiro a maio 2000.
BRUHNS, Heloisa Turini. O corpo contemporâneo. In: Bruhns, Heloisa Turini; Gutierrez,
Gustavo Luiz (Org.). O corpo lúdico: ciclo de debates lazer e motricidade.
Campinas: Autores Associados, 2000. p. 89 - 102.
CARVALHO, Yara Maria de. Corpo e história: o corpo para os gregos, pelos gregos, na Grécia
antiga. In: SOARES, Carmen Lúcia (Org.). Corpo e história. Campinas: Autores
Associados, 2ª ed. 2004. p. 163 - 175.
CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo: identidades e estilos de vida. In: Bueno, Maria
Lúcia; Castro, Ana Lúcia (Org.). Corpo, território da cultura. São Paulo:
Annablume, 2005. p. 135 - 151.
ELIA, Mariana. A busca da beleza inigualável.
http://www.olharvital.ufrj.br/ant/2006_05_25/materia_saudeeprevencao.htm.
Acessado em 13 de dezembro de 2006.
FIGUEIRA, Márcia Luiza Machado. Revista capricho e a produção de corpos
adolescentes femininos. In: FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre; LOURO,
Guacira Lopes (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na
educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 124 -135.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986. 174 p.
GOELLNER, Silvana Vilodre. A produção cultural do corpo. In:
LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpo,
gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes,
2ª ed. 2005. p. 28 - 40.
HEILBORN, Maria Luiza. Corpo, sexualidade e gênero. In: Dora, Denise Dourado (Org.).
Feminino Masculino: igualdade e diferença na justiça. Porto Alegre: Sulina,
1997. p. 47 - 57.
LOVISOLO, Hugo. Em defesa do modelo 'JUBESA' (juventude, beleza e saúde). In:
BAGRICHEVSKY, Marcos; ESTEVÃO, Adriana; PALMA, Alexandre; DA ROS, Marco (Org.).
A saúde em debate na educação física - volume 2. Blumenau: Nova Letra, 2006. p.
157 - 175.
LESSA, Patrícia. Mulheres à venda: uma leitura do discurso publicitário nos
outdoors. Londrina: Eduel, 2005. 104 p.
SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de. Horizontes do corpo. In: Bueno, Maria
Lúcia; Castro, Ana Lúcia (Org.). Corpo, território da cultura. São Paulo:
Annablume, 2005. p. 119 - 134.
SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de. É possível realizar uma história do corpo?.
In: SOARES, Carmen Lúcia (Org.). Corpo e história. Campinas: Autores
Associados, 2ª ed. 2004. p. 3 - 23.
SILVA, Ana Márcia. Corpo, ciência e Mercado: reflexões acerca da gestão de um novo
arquétipo da felicidade. Campinas: Autores Associados, Florianópolis: Editora
da UFSC, 2001.143 p.
Contato
com os autores
Vitor Jatobá*
vitorjatoba@gmail.com
Letícia Wilke Franco**
titawfranco@gmail.com
0 Comentários - Comente!
Postar um comentário
Obrigada pela sua visita. Deixe sua opinião, crítica, sugestões de postagem, recadinho. Volte sempre.