A história da educação de jovens e adultos no Brasil
é muito recente. Embora venha se dando desde o período do Brasil Colônia, de
uma forma mais assistemática, as iniciativas governamentais no sentido de
oferecer educação para os jovens e adultos são recentes. No Brasil Colônia, a
referência à população adulta era apenas de educação para a doutrinação
religiosa, abrangendo um caráter muito mais religioso que educacional.
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Nessa época,
pode-se constatar uma fragilidade da educação, por não ser esta responsável
pela produtividade, o que acabava por acarretar descaso por parte dos
dirigentes do país (CUNHA, 1999). No Brasil Império, começaram a acontecer
algumas reformas educacionais e estas preconizavam a necessidade do ensino noturno para adultos analfabetos.
Em 1876, foi feito então, um relatório, pelo ministro José Bento da Cunha
Figueiredo, apontando a existência de 200 mil alunos freqüentes às aulas
noturnas. Durante muito tempo, portanto, as escolas noturnas
eram a única forma de
educação de adultos
praticada no país. Segundo CUNHA
(1999), com o desenvolvimento industrial, no início do século XX, inicia-se um
processo lento, mas crescente, de valorização da educação de adultos. Porém,
essa preocupação trazia pontos de vista diferentes em relação à educação de
adultos, quais sejam: a valorização do domínio da língua falada e escrita,
visando o domínio das técnicas de produção; a aquisição da leitura e da escrita
como instrumento da ascensão social; a alfabetização de adultos vista como meio
de progresso do país; a valorização da alfabetização de adultos para ampliação
da base de votos.
A partir de 1940, começou-se a detectar altos índices
de analfabetismo no país, o que acarretou a decisão do governo no sentido de
criar um fundo destinado à alfabetização da população adulta analfabeta. Em
1945, com o final da ditadura de Vargas, iniciou-se um movimento de
fortalecimento dos princípios democráticos no país. Com a criação da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), ocorreu,
então, por parte desta, a solicitação aos países integrantes (e entre eles, o
Brasil) de se educar os adultos analfabetos. Devido a isso, em 1947, o governo
lançou a 1ª Campanha de Educação de Adultos, propondo: alfabetização dos
adultos analfabetos do país em três meses, oferecimento de um curso primário em
duas etapas de sete meses, a capacitação profissional e o desenvolvimento
comunitário. Abriu-se, então, a discussão sobre o analfabetismo e a educação de
adultos no Brasil. Nessa época, o analfabetismo era visto como causa (e não
como efeito) do escasso desenvolvimento brasileiro. Além disso, o adulto
analfabeto era identificado como elemento incapaz e marginal psicológica e
socialmente, submetido à menoridade econômica, política e jurídica, não
podendo, então, votar ou ser votado (CUNHA, 1999).
Segundo SOARES (1996), essa 1ª Campanha foi lançada
por dois motivos: o primeiro era o momento pós guerra que vivia o mundo, que
fez com que a ONU fizesse uma série de recomendações aos países, entre estas a
de um olhar específico para a educação de adultos. O segundo motivo foi o fim
do Estado Novo, que trazia um processo de redemocratização, que gerava a
necessidade de ampliação do contingente de eleitores no país. Ainda, no momento
do lançamento dessa 1ª Campanha, a Associação de Professores do Ensino Noturno
e o Departamento de Educação preparavam o 1º Congresso Nacional de Educação de
Adultos. O Ministério, então, convocou dois representantes de cada Estado para
participarem do Congresso. O SEA (Serviço de Educação de Adultos do MEC), a
partir daí, elaborou e enviou, para discussões, aos SEAs estaduais, um conjunto
de publicações sobre o tema. As concepções presentes nessas publicações,
segundo SOARES (1996), eram: o investimento na educação como solução para
problemas da sociedade; o alfabetizador identificado como missionário; o
analfabeto visto como causa da pobreza; o ensino de adultos como tarefa fácil;
a não necessidade de formação específica; a não necessidade de remuneração,
devido à valorização do “voluntariado”. A partir daí, então, iniciou-se um
processo de mobilização nacional no sentido de se discutir a educação de jovens
e adultos no país. De certa forma, portanto, embora a Campanha não tenha tido
sucesso, conseguiu alguns bons resultados, no que se refere a essa visão preconceituosa, que foi sendo superada
a partir das discussões que foram ocorrendo sobre o processo de educação de
adultos. Diversas pesquisas, então, foram sendo desenvolvidas e algumas teorias
da psicologia foram, gradativamente, desmentindo a idéia de incapacidade de
aprendizagem designada ao educando adulto.
Assim, muitas críticas foram sendo feitas ao método
de alfabetização adotado para a
população adulta nessa Campanha, como as precárias condições de funcionamento
das aulas, a baixa freqüência e aproveitamento dos alunos, a má remuneração e
desqualificação dos professores, a inadequação do programa e do material
didático à clientela e a superficialidade do aprendizado, pelo curto período
designado para tal. Deu-se, então, o declínio da 1ª Campanha, devido aos
resultados insatisfatórios (SOARES, 1996). Porém, dentre todas as delegações,
uma se destacou, por ir além das críticas, apontando soluções. Foi a delegação
de Pernambuco, da qual fazia parte Paulo Freire, que propunha uma maior
comunicação entre o educador e o educando e uma adequação do método às
características das classes populares.
Como resultado da 1ª Campanha, portanto, SOARES
(1996) aponta a criação de uma estrutura mínima de atendimento, apesar da não
valorização do magistério. Ao final da década de 50 e início da década de 60,
iniciou-se, então, uma intensa mobilização da sociedade civil em torno das
reformas de base, o que contribuiu para a mudança das iniciativas públicas de
educação de adultos. Uma nova visão sobre o problema do analfabetismo foi
surgindo, junto à consolidação de uma nova pedagogia de alfabetização de
adultos, que tinha como principal referência Paulo Freire. Surgiu um novo
paradigma pedagógico – um novo entendimento da relação entre a problemática
educacional e a problemática social. O analfabetismo, que antes era apontado
como causa da pobreza e da marginalização, passou a ser, então, interpretado
como efeito da pobreza gerada por
uma estrutura social
não igualitária (SOARES,1996).
A idéia que foi surgindo foi a de que o processo
educativo deveria interferir na estrutura social que produzia o analfabetismo,
através da educação de base, partindo de um exame crítico da realidade
existencial dos educandos. Na percepção de Paulo Freire, portanto, educação e
alfabetização se confundem. Alfabetização é o domínio de técnicas para escrever
e ler em termos conscientes e resulta numa postura atuante do homem sobre seu
contexto. Essas idéias de Paulo Freire se expandiram no país e este foi
reconhecido nacionalmente por seu trabalho com a educação popular e, mais
especificamente, com a educação de adultos. Em 1963, o Governo encerrou a 1ª
Campanha e encarregou Freire de organizar e desenvolver um Programa Nacional de
Alfabetização de Adultos. Porém, em 1964, com o Golpe Militar, deu-se uma
ruptura nesse trabalho de alfabetização, já que a conscientização proposta por
Freire passou a ser vista como ameaça à ordem instalada.
A
partir daí, deu-se o exílio de Freire e o início da realização de programas de
alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores. Dentro desse
contexto, em 1967, o Governo assumiu o controle da alfabetização de adultos,
com a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), voltado para a
população de 15 a 30 anos, objetivando
a alfabetização funcional – aquisição de técnicas elementares de leitura,
escrita e cálculo. Com isso, as orientações metodológicas e os materiais
didáticos esvaziaram-se de todo sentido crítico e problematizador proposto
anteriormente por Freire (CUNHA, 1999). Na década de 70, ocorreu, então, a
expansão do MOBRAL, em termos territoriais e de continuidade, iniciando-se uma
proposta de educação integrada, que objetivava a conclusão do antigo curso
primário. Paralelamente, porém, alguns grupos que atuavam na educação popular
continuaram a alfabetização de adultos dentro da linha mais criativa. Com a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 5692/71, implantou-se o Ensino
Supletivo, sendo dedicado um capítulo específico para a EJA. Esta Lei limitou o
dever do Estado à faixa etária dos 7 aos 14 anos, mas reconheceu a educação de
adultos como um direito de cidadania, o que pode ser considerado um avanço para
a área da EJA no país.
Em 1974, o MEC propôs a implantação dos Centros de
Estudos Supletivos (CES), que se organizavam com o trinômio tempo, custo e
efetividade. Devido à época vivida pelo país, de inúmeros acordos entre MEC e
USAID, estes cursos oferecidos foram fortemente influenciados pelo tecnicismo,
adotando-se os módulos instrucionais, o atendimento individualizado, a
auto-instrução e a argüição em duas etapas - modular e semestral. Como
conseqüências, ocorreram, então, a evasão, o individualismo, o pragmatismo e a
certificação rápida e superficial (SOARES, 1996). Nos anos 80, com a abertura
política, as experiências paralelas de alfabetização, desenvolvidas dentro de
um formato mais crítico, ganharam corpo. Surgiram os projetos de pós
alfabetização, que propunham um avanço na linguagem escrita e nas operações
matemáticas básicas. Em 1985, o MOBRAL foi extinto e surgiu, em seu lugar, a
Fundação EDUCAR, que abriu mão de executar diretamente os projetos e passou a
apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas existentes. De acordo com CUNHA
(1999), a década de 80 foi marcada pela difusão das pesquisas sobre língua
escrita com reflexos positivos na alfabetização de adultos. Em 1988, foi
promulgada a Constituição, que ampliou o dever do Estado para com a EJA, garantindo
o ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos.
Nos anos 90, o desafio
da EJA passou a ser o estabelecimento de uma política e de metodologias criativas, com a universalização do ensino
fundamental de qualidade. Em nível internacional, ocorreu um crescente
reconhecimento da importância da EJA para o fortalecimento da cidadania e da
formação cultural da população, devido às conferências organizadas pela UNESCO,
criada pela ONU e responsabilizada por incrementar a educação nos países em
desenvolvimento. Esta, então, chamou uma discussão nacional sobre o assunto,
envolvendo delegações de todo o país. A partir dessa mobilização nacional,
foram organizados os Fóruns Estaduais de EJA, que vêm se expandindo em todo o
país, estando presentes, atualmente, em todos os estados brasileiros, com
exceção de Roraima. Isso se deu da seguinte forma: em 1996, ocorreu uma intensa
mobilização incentivada pelo MEC e pela UNESCO, como forma de preparação para a
V CONFITEA. O MEC instituiu, então, uma Comissão Nacional de EJA, para
incrementar essa mobilização. A recomendação dada foi que cada Estado
realizasse um encontro para diagnosticar metas e ações de EJA. Desde então, as
instituições envolvidas decidiram dar prosseguimento a esses encontros. Em
1997, a UNESCO convocou SEEs, SMEs, Universidades e ONG’s para a preparação da
V CONFITEA, através da discussão e da elaboração de um documento nacional com
diagnóstico, princípios, compromissos e planos de ação. Estes eventos de
intercâmbio marcaram o ressurgimento da área de EJA. Em 1998, os mineiros
implantaram seu Fórum Estadual. No mesmo ano, a Paraíba e o Rio Grande do Norte
fizeram o mesmo.
Seguindo essa corrente de intercâmbios, Curitiba
realizou um encontro, patrocinado pela UNESCO, para a socialização da V CONFITEA.
Como conseqüência desse Encontro, veio a decisão de se iniciar uma série de
encontros nacionais de EJA. Sendo assim, em 1999, ocorreu o 1º ENEJA, no Rio de
Janeiro, onde participaram os Fóruns do Rio, de Minas, do Espírito Santo, do
Rio Grande do Sul e de São Paulo. Esse Encontro acabou sendo um estímulo para o
surgimento de outros Fóruns. A partir daí, esses Encontros vêm ocorrendo
anualmente, na seguinte seqüência: em 2000, o II ENEJA, em Campina Grande –
Paraíba – com a participação de oito Fóruns; em 2001, o III ENEJA, em , com a
participação do 10 Fóruns; em 2002, o IV ENEJA, em Belo Horizonte, Minas
Gerais, com a participação de 12 Fóruns; em 2003, o V ENEJA, em Cuiabá, Goiás,
com a participação de 17 Fóruns; em 2004, o VI ENEJA, em Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, com a participação de 22 Fóruns; em 2005, o VII ENEJA, em
Brasília, Distrito federal, com a participação de 24 Fóruns; em 2006, o VIII
ENEJA, em Recife, Pernambuco, com a participação de 26 Fóruns.
A
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9334/96 propôs, em seu artigo
3o , a igualdade de condições para o acesso e a permanência na
escola, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, a garantia de
padrão de qualidade, a valorização da experiência extra-escolar e a vinculação
entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Tais princípios
estimularam a criação de propostas alternativas na área de EJA. Assim, embora a
Lei tenha dedicado apenas uma seção com dois artigos à EJA, os artigos 2o,
3o e 4o tratam
essa educação sob o ponto de vista do ensino fundamental, o que pode ser
considerado um ganho para a área. Além disso, ao determinar a identificação
daqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental, abriu um espaço de
intervenção que criou possibilidades de confronto entre o universo da demanda e
o volume e qualidade da oferta, o que pode gerar um maior compromisso do setor
público com a EJA.
Na década de 90, o governo se desobrigou de articular
a política nacional de EJA, incumbindo os municípios disso. Nesse momento,
então, inúmeras iniciativas vão emergindo, ocorrendo parcerias entre
municípios, ONG’s e Universidades. Surgem, então, nesse contexto, os Fóruns de
EJA, como espaços de encontros e ações em parceria entre os diversos segmentos
envolvidos com a área, com o poder público (administrações públicas municipais,
estaduais e federal), com as universidades, sistemas S, ONG’s, movimentos
sociais, sindicatos, grupos populares, educadores e educandos. Esses Fóruns têm
como objetivo, dentre outros, a troca de experiências e o diálogo entre as
instituições. De acordo com SOARES (2004), os Fóruns são movimentos que
articulam instituições, socializam iniciativas e intervêm na elaboração de
políticas e ações da área de EJA. Estes ocorrem num movimento nacional, com o
objetivo de interlocução com organismos governamentais para intervir na
elaboração de políticas públicas.
O surgimento dos Fóruns
se dá de formas diferentes em cada Estado. Em Alagoas, o Fórum Estadual surge
antes da década de 90, como um coletivo de educação popular e, em 1990, como
Fórum Estadual propriamente dito. No Distrito Federal, forma-se, em 1990, um
grupo de trabalho coletivo de alfabetização de adultos e, somente em 2003,
forma-se o Fórum Estadual. Em Pernambuco, acontece uma articulação pela
educação de adultos. Porém, o Rio de Janeiro é o primeiro estado a criar um
Fórum Estadual de EJA. Em 2001, foi organizada, em Brasília, uma reunião para
compreender os desafios dos Fóruns, patrocinado pela RAAAB. Desta, conclui-se
que os Fóruns de EJA têm o objetivo de socializar informações e trocar
experiências, sendo um espaço de pluralidade. A partir do momento em que o MEC
se ausenta da qualidade de articulador de uma política nacional para a EJA, os
Fóruns surgem como uma estratégia de mobilização das instituições do país que
estão diretamente envolvidas com a EJA, ou seja, o conhecimento do que se faz,
a socialização de experiências, leva à articulação e à intervenção. Os Fóruns
se instalam, portanto, como espaços de diálogos, onde os segmentos envolvidos
com a EJA planejam, organizam e propõem encaminhamentos em comum. Nesse
sentido, mantêm reuniões permanentes, onde aprendem com o diferente,
exercitando a tolerância (SOARES, 2004). Os Fóruns mantêm uma secretaria
executiva, com representantes dos segmentos, que preparam plenárias, podendo
ser mensais, bimestrais ou anuais, de acondo com a realidade específica de cada
Fórum. Além disso, existem as plenárias itinerantes, como a do Estado da
Paraíba. A maneira como esses Fóruns se mantêm tem sido um desafio, pois não
existe pessoa jurídica que receba ou repasse recursos, sendo que a participação
se dá por adesão. Nesse período, vão surgindo, também, os Fóruns Regionais, num
processo de descentralização e interiorização dos Fóruns.
Com
o surgimento dos Fóruns, então, a partir de 1997, a história da EJA passa a ser
registrada num Boletim da Ação Educativa, que socializa uma agenda dos Fóruns e
os relatórios dos ENEJAs. De 1999 a 2000, então, os Fóruns passam a marcar
presença nas audiências do Conselho Nacional de Educação para discutir as
diretrizes curriculares para a EJA. Em alguns Estados, ainda, passaram a
participar da elaboração das diretrizes estaduais e em alguns municípios,
participaram da regulamentação municipal da EJA. Além disso, a Secretaria da
Erradicação do Analfabetismo instituiu uma Comissão Nacional de Alfabetização e
solicitou aos Fóruns uma representação. Os Fóruns, portanto, têm sido
interlocutores da EJA no cenário nacional, contribuindo para a discussão e o
aprofundamento do que seja a EJA no Brasil (SOARES, 2004).
BIBLIOGRAFIA
- CUNHA,
Conceição Maria da. Introdução –
discutindo conceitos básicos. In: SEED-MEC Salto para o futuro – Educação
de jovens e adultos. Brasília, 1999.
- SOARES, Leôncio José Gomes. A educação de jovens e adultos: momentos
históricos e desafios atuais. Revista Presença Pedagógica, v.2, nº11,
Dimensão, set/out 1996.
- SOARES, Leôncio José Gomes. O surgimento dos Fóruns de EJA no Brasil:
articular, socializar e intervir. In: RAAAB, alfabetização e Cidadania –
políticas Públicas e EJA. Revista de EJA, n.17, maio de 2004.
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